segunda-feira, 7 de março de 2016

Sangue e lágrimas

Passaram-se alguns meses desde que deixei este lugar, reinou o silêncio daquele último êxtase que deixei aqui, umas pobres palavras sobre meu Jesus. Hoje volto com vontade de ainda fazer silêncio e sem saber o que dizer que não seja esta minha confissão. Talvez eu faça pouco de minhas capacidades e minha intenção, aqui, seja mesclada de levantes de vaidade e soberba que me custa admitir. Seria absurdo, talvez, imaginar um escritor que escreva só para si, escondido e feito solitário por si mesmo. Mais possível, talvez, seja aquele que espera ser lido e compreendido, embora haja muitos que só querem ser lidos para serem exaltados por serem herméticos. Não sou este, movem-me a curiosidade e o olhar alheios, o desejo de dar-me, já não anonimamente, nessas palavras em que pretendo deixar algo apreciável, qual uma arte, que me valham alguns elogios. Mas em vez de mover-me qual impulso primeiro, fere-me este desejo, move-me, antes, a caridade de Cristo, que transforma minha maldade numa lança que me atravessa e faz-me sangrar, deixando cair aqui umas gotas de sangue e de lágrimas, um pouco de mim em minhas lutas, um pouco de minhas chagas e cicatrizes.

O medo e o silêncio, às vezes, tornam-se-me uma dolorosa evidência de minha vaidade e escondo-me para não expor minha vergonha, mas abrir os olhos e ver a luz exige o movimento contrário, o êxodo, o "quase" exílio cujo destino é apenas esperança e promessa, comunicação de alguém que tampouco viu o que ele mesmo promete, sonho e possivelmente uma ilusão. Escrever, para mim, é recordar-me de Abraão, Moisés, Josué e tantos outros, peregrinos que não somente deixaram terras e seguranças, mas deixaram a si mesmos e sobre seus ombros levavam multidões, calcando aos pés as próprias esperanças passadas e abraçando aquelas de que somente ouviram falar. É isto que quero fazer de minha literatura: sacrifício, êxodo, imitação de meu mestre.

Eis-me aqui, despido, acusando-me de umas poucas fragilidades que os menos íntimos desconhecem, desejando que essas letras sejam lágrimas a lavar-me os olhos e o coração. E já são lágrimas secas e negras, o meu olhar, já turvado, voz embargada e o silêncio que acompanha o choro já prevalece, por hora, enquanto caem as últimas gotas do que tenho a dizer. Quisera falar da vida e do mundo, algo que me parecesse útil, mas escolhi “sangrar e chorar” nesta prece silente que aqui faz-se capaz de outras vozes, ausente a minha.