terça-feira, 15 de setembro de 2015

Assombro

Não percais o assombro, não vos torneis insensíveis à multiforme graça de Deus que se nos manifesta de diversos modos, velada naquilo que se nos tornou comum. Não percais o assombro!

De fato, Deus jamais se esconde, mas manifesta-se sempre, é sempre visível e sempre sensível, nunca oculto, porém velado, e embora seja infinito e inacessível a nossos olhos e ouvidos (cf. 1Cor 2, 9), em suma, aos nossos sentidos todos, é, no entanto, manifesto inequivocamente a todo homem em toda parte: "Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar". (Rm 1, 20)

Não percais, porém, o assombro! Por perderem a capacidade de maravilhar-se, muitos imaginam que Deus seja invisível e ausente. Por perderem a capacidade de maravilhar-se, muitos vivem ávidos por novidades e espetáculos, artifícios que entorpeçam a razão e os sentidos. Por perderem o assombro, muitos se afastam do Evangelho e fecham seus ouvidos à voz de Seus arautos, ignoram a Palavra divina, reputando-a como antiga e já passada, mera literatura e construção artificiosa da habilidade humana. Muitos há enfadados pelas palavras seculares do Evangelho, nunca alterado e perene. Muitos há que, esquecidos da essência da Boa Nova de Cristo, entre pregadores e ouvintes, procuram em palavras que escondem o mistério descobri-lo por si mesmos, tentando fabricar o maravilhamento, essencial à experiência do sagrado, por meio da jactância.

Não percais o assombro! Maravilhai-vos com a permanente atualidade do Evangelho, nunca obscurecido nesses quase vinte séculos de história desde que pela primeira vez um ser humano pôde ouvir o que antes jamais se pudera ouvir. Nunca Deus parecera tão próximo, visível como se fora criatura, Deus imanente e transcendente, verdadeiramente presente.

Falo também a mim mesmo. Fiz da literatura meu ofício, ministério que escolhi depois que a hesitação mudou-se em desejo, inclinação e, finalmente, ato. Minha obra, a escritura, poderá ser possível apenas se revestida de elementos que, por si mesmos, causem o assombro? Artista, exponho-me ao risco de pretender tornar-me em boa nova e chamar a atenção para minha palavra e não para a Palavra, o Verbo divino que supostamente pretendo dar a conhecer. Minha condição impõe-me um risco do qual não me esquivo e por vezes impõe-me um silêncio incômodo que me pressiona; a inércia, porém, não é próprio da virtude.