segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cristãos?

Assusta-se a maneira como a auto-defesa tornou-se tão essencial no meio cristão. A guerra de emissoras que temos assistido nos últimos dias me deixa impressionado com a contradição que há nas palavras de um dos lados, “deixando claro que não estão em guerra” e “exercendo o direito de defesa”, mas seguem aquele antigo e estranho princípio que diz que a melhor defesa é o ataque. É estranho reprovar no outro o que eu mesmo faço, especialmente quando me apresento diante de todos como cristão, seguidor do Cristo que ensinou a oferecer sempre a outra face a quem me bater (cf. Mt 5, 39).
Hoje vejo o egoísmo espalhado por todos os lados, até mesmo entre os discípulos de Cristo. Condenamos Judas por trair Jesus, mas em todos nós há traços de sua perfídia. Traímos Jesus por poucos trocados, por um pouco de fama, um pouco de dinheiro, um pouco de prazer e satisfação. Vejo isso por todos os lados. Vejo isso em mim mesmo. Alguém nos acusa, somos imediatamente movidos por uma instintiva indignação e estamos prontos a nos defender contra toda ofensa, seja ela verdadeira ou falsa, levantando a bandeira dos injustiçados e gritando para todos os lados: “tende pena de mim, sou inocente”. E ainda nos dizemos “imitadores de Deus” (cf. Ef 5, 1), que foi conduzido como “ovelha ao matadouro, não abriu a boca” (cf. Is 53, 7). Minha mãe costuma dizer que quem não deve não teme, e que atitudes denotam mais claramente o temor do que a fuga e essa hostilidade?
Vejo empresas riquíssimas disputando mercado e atenção dos “fiéis” [telespectadores e dizimistas]. Até que ponto vai a nossa fé em Jesus Cristo? Dizemo-nos cristãos e ainda nos atrevemos a citar o apóstolo Paulo dizendo com toda petulância possível: “não vivo eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20), mas agimos como quem não o conhece. Jesus tornou-se apenas um slogan atrativo, e os milagres, hoje tão naturais, nossas promessas falsas para atrair a opinião popular.
O Filho do Homem não tinha onde reclinar a cabeça (cf. Lc 9, 58), e quem o quisesse seguir deveria deixar tudo para trás (cf. Mt 19, 21), e alguns hoje ainda crêem na benção que se manifesta na prosperidade, na abundância de riquezas, que acabam por motivar conflitos. “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.” (Mt 19,24) De quantas riquezas somos nós possuidores! Nossas opiniões, carros, emissoras de televisão, igrejas!
Por isso costuma-se dizer que a voz do povo é a voz de Deus, é mais fácil.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vida

A vida é revelação do que está dentro de nós. Nascemos e somos de algum modo iluminados por uma luz que até então desconhecíamos e aos poucos nos vamos construindo, a partir dos materiais que guardamos com o passar das horas. A matéria prima de quem somos é o que entrou em nós por força daquela luz do princípio, nossos sentidos trazem o mundo para dentro de nós e assim seguimos vivendo, mas não somos apenas sentidos, somos também espírito, vida que não pode viver de instintos, de escolhas aleatórias pelo que mais satisfaz. Às vezes penso que a vida tem, na verdade, seu início nessa descoberta, na visão desta luz que alcança mais do que aos nossos sentidos e sentimentos, vai ao nosso espírito. É neste contraste que está a vida, na aparente morte do que nos é sensível, quando os sentidos se tornam secundários. Acredito nesta verdade, quando somos capazes de deixar os limites vagos do que sentimos é que realmente nascemos. Nascer é de algum modo romper com uma realidade passada, é sempre morte – paradoxo estranho da existência, porém sempre verdadeiro, a páscoa é sempre concreta. Não quero permanecer na superfície de mim mesmo, eu quero morrer, quero viver. Espero que você queira também. Este é meu desejo mais sincero.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Morte

Eu não podia consolar os corações que choravam, meus gestos ficaram restritos a olhares e abraços. Um olhar baixo foi o que escolhi, única expressão que fui capaz de fazer da compaixão que sentia.

A morte, mistério insólito que segue ferindo o amor humano, que sempre nos comove e de algum modo nos paralisa, como numa tentativa incansável de nos fazer valorizar mais nossa própria vida, pelo simples vislumbre de nosso destino comum, escondeu-me as palavras que tão facilmente costumava encontrar, e nada soube dizer ou pensar. Meu silêncio, porém, não era fúnebre, e a dor que oprimia meu coração fazia-me pensar, já livre de todo vestígio de desejo de consolar alguém, e encontrei naquele vazio a satisfação de ter podido provar a verdadeira compaixão, que não consiste em fazer-se suporte para aquele que sofre, mas em partilhar a dor do outro sem pretensões de oferecer alívio. Somos um só corpo, em Cristo, e assim temos uma só cruz.

Em meu coração deixo espaço para lágrimas que não são minhas, para que sejam.