segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Entre dois

Um dia entre duas noites,
Vejo assim as luzes
Que descontinuam as trevas.

Não prendo meus olhos na dor,
Mas na flor ornada por ela.
Seus espinhos me fazem sofrer,
Mas dela, o gozo me manda sorrir.

Não prendo meus olhos na cor,
Nos fúnebres tons do outono,
Ou nas alegres cores da primavera,
Mas na vida pintada por eles.

Não quero fixar-me nos sons,
Na melodia do pássaro cantor,
No canto do riacho que muda em rio,
Mas no destino de todas as canções.

Uma noite entre dois dias,
Prefiro chamar assim,
Passagens de uma a outra alegria.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Comungar Deus

Colocar-se em comunhão com alguém significa ter iguais sentimentos, desejos, objetivos; quem recebe o Corpo e o Sangue de Deus na Sagrada Comunhão deveria, em virtude da presença real da pessoa de Jesus na sua totalidade divina e humana, colocar-se, ou antes, ser colocada em total comunhão com a divindade, não somente nos sentimentos, desejos e objetivos, mas também nos afetos, sonhos e planejamentos, e, sobretudo, no amor, porque o Santíssimo Corpo e o Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo são a fonte inesgotável do Amor Divino, de onde devemos beber para sabermos amar.

A razão pela qual tão poucos corações são modificados pela presença real de Cristo na Eucaristia é que poucos o recebem no Santíssimo Sacramento certos de que a realidade não é aquilo que os sentidos denunciam, mas sim o que Deus diz: "Isto é o meu Corpo; isto é o meu Sangue"(1). Estes cultivam uma fé que convém à sua razão, e, na verdade, não comungam, mas apenas comem e bebem a Carne e o Sangue de Cristo como se fossem pão e vinho, que no entendimento deles são apenas representações; comungam assim a própria condenação, recebendo o Santíssimo Corpo e o Preciosíssimo Sangue de Deus sem os discernir nas sagradas espécies do pão e do vinho. "Aquele que o come e o bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação"(2).

Não podemos nos aproximar assim da Mesa Eucarística, por conveniência, com uma "fome" de sermos absolvidos de nossas culpas e de nossa impiedade pelos que nos veem "comungar", famintos de receber a aprovação daqueles que nos veem "guardar a fé e os bons costumes". Que belo disfarce para nossa infidelidade! O apóstolo adverte os que assim procedem dizendo: "quem tiver fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para a vossa condenação"(3). Aqueles que ainda duvidam da realidade do Sacramento, ouçam o que o próprio Cristo diz antes da instituição da Eucaristia: "Eu sou o pão vivo que desce do céu. Quem comer deste pão viverá para a eternidade. E o pão que eu darei é a minha carne para que o mundo tenha a vida"(4). Essas palavras corriam o risco de serem entendidas num sentido simbólico, mas os judeus as interpretaram literalmente, e Jesus, ao contrário do que, talvez, seus corações esperavam, reafirma a verdade que acabara de proclamar, não um símbolo, mas a própria realidade: "Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele"(5). Jesus toma o cuidado de dizer textualmente que Seu Corpo e Seu Sangue são verdadeira comida e verdadeira comida, não um símbolo qualquer que poderia ser criado por um homem qualquer. O Santíssimo Sacramento é um dom que o intelecto humano jamais seria capaz de conceber, nenhum homem ou mulher jamais ousaria pedir a Deus que Ele mesmo se fizesse comida e bebida; prova disto é que muitos ainda duvidam da realidade do Santíssimo Sacramento, porque limitam as experiências da fé àquilo que a razão é capaz de alcançar. "Felizes os que creram sem ter visto"(6).

Muitos não creem, também, porque a maioria dos que dizem crer no Santíssimo Sacramento apenas o recebem, não o comungam. Jesus disse: "Como o Pai, que é vivo, me enviou e eu vivo pelo pai, assim aquele que comer de mim viverá por mim"(7). Quem come um símbolo pode apenas despertar em si sentimentos de afeto e imaginações, mas quem comunga a Carne e o Sangue de Deus é nutrido por Cristo, come de Cristo, e vive por Cristo.

 

(1) Cf. Lc 22, 19-20

(2) I Cor 11, 29

(3) I Cor 11, 34

(4) Jo 6, 51

(5) Jo 6, 53-56

(6) Jo 20, 29

(7) Jo 6, 57

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Realizações

Depois deste tempo de vida como leigo consagrado, separado por Deus para não me perder Dele com a mesma facilidade de antes; depois de ter sido tomado pela mão e conduzido por caminhos antes desconhecidos, e que por isso mesmo me amedrontavam, levado a lugares em que minha alma pôde provar delícias do paraíso que nem sequer era capaz de desejar, porque minha imaginação não era capaz de alcançar realidades semelhantes; depois de tudo isso, ao ver pessoas que deveriam ser conduzidas de maneira semelhante pela vontade do mesmo Deus que me conserva aqui, uma dor aguda alcançou meu coração, e também o coração delas antes mesmo de poderem tocar naquilo que Deus lhes prometera entregar como prêmio pela obediência à Sua vontade. Outros, que não foram chamados ao mesmo caminho que nós, pais, parentes, amigos que se julgam no direito de determinar as escolhas dos outros, levantaram-se e se fizeram obstáculo à realização da vontade de Deus na vida daqueles que deviam partir para onde o Senhor os mandava ir. Fere-nos a alma sobretudo a atitude de alguns pais, cujo pensamento está de tal forma cristalizado num egoísmo disfarçado de amor que muito lhes custa a separação do que não mais depende de seus cuidados. Pais e mães que, frustrados em algum desejo passado, esperam a realização deles nos filhos. Em outras palavras, vêem na pessoa de seus filhos a continuidade de seu próprio ser, com todos os seus desejos e sonhos. É a atitude própria da primeira infância, o não saber diferenciar-se do outro, que aqui se apresenta de maneira semelhante, mas em pessoas de quem se espera um mínimo de maturidade afetiva que as faça capazes de deixar partir o que não lhes pertence mais. É como uma regra que se vem arraigando no pensamento comum, afirmando que os filhos devem ser a realização das frustrações de seus pais, e que qualquer comportamento que ponha em risco essa realização deve ser coibido de qualquer forma. Aqui a moral passa a ser negligenciada, quando tudo se torna justificável pelo desejo egoísta de alguns que não pensam na felicidade e realização dos filhos, mas de si mesmos neles.