quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Ano novo

Penso que as festividades de ano novo servem apenas para nos lembrar que o tempo passa. Observe, é a ocasião em que mais se repete a expressão "Nossa, como o tempo passa rápido!". Eu me pergunto, como sempre faço nesse tempo, o quê, exatamente, é causa de alegria na troca de calendário. Troca-se a imagem no topo da folhinha, o 8 mudará para 9, dezembro para janeiro, 31 para 1, seguindo o mesmo movimento repetido de todos os dias (não digo anos porque a diferença é meramente conceitual). Preste atenção, oportunidades de mudanças não marcam um encontro único para o 31 de dezembro, mas estão presentes em todos os dias de todos os anos, de igual forma, o que muda é a nossa disposição, que na contagem regressiva para o dito "ano novo" grita à nossa consciência para que a deixemos sair do quarto escuro onde a trancamos durante os dias que se passaram desde o último 31 de dezembro.

Os festejos são um detalhe interessante nessa transição. São interessantes porque a motivação dessa "alegria" caberia numa mudança de 23 para 24 de agosto, por exemplo (quem puder, explique-me a diferença, se eu estiver errado). Interessante também é a importância que tantas pessoas dão aos fogos de artifício que iluminam o céu dessa noite, que prendem nossa atenção que, penso eu, deveria fixar-se em coisas mais duradouras. Não digo que seja reprovável dedicar alguns minutos para assistir esse, digamos, espetáculo, mas que tanta avidez em tal movimento me parece denotar uma certa disposição em fixar-se em realidades que não podem permanecer. Sejamos coerentes nesse fim de ano, e que as promessas de mudança não sejam como esses fogos que nos iluminam por um curto momento e desaparecem com tanta facilidade, e que são, como seu nome diz, artificiais.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Vidas

Há vidas nessa vida que me permitem o divino convívio apenas com suas presenças simples e silenciosas, de poucos encontros, ou muitos, de olhares que dizem mais do que poderia pronunciar, abraços que as despedem de mim e deixam uma saudade que não me retira a tranqüilidade que Deus conserva em meu peito, mas a ausência que permanece no lugar dos encontros que se foram faz crescer em mim uma felicidade ímpar, uma alegria que não sei traduzir senão por lágrimas, por ter podido experimentar o Amor divino num carinho humano.
Há vidas que olham para mim como a um pai, outras como a um irmão, outras como a um amigo, mas em todos esses olhares que repousam sobre mim, em tantos contextos, me admira ver a misericórdia de Deus que me quer sempre por perto, porque a felicidade que vejo neles, que me dizem o tempo todo que amam o Deus que vêem em mim, me obriga a guardar intacta minha fidelidade. É evidente, muitas vezes caio, mas minha infidelidade me obriga também a acreditar que Deus me ama infinitamente mais do que acreditava antes das quedas, porque depois delas Ele continua sorrindo pra mim e me amando naqueles mesmos olhares humanos que quis se aproximassem dessa pobre alma que não sabe dizer muito sobre Ele.
É verdade, não sei dizer muito, mas sei dizer que se Ele quer ser amigo, irmão ou pai de alguém por meio de mim não posso querer outra coisa, porque essa mesma vontade divina é a que ainda me conserva aqui onde estou, e que desejo conserve até que se torne impossível separar-me outra vez desse Amor, na eternidade.
 

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Quero somente o Senhor

É noite em minha alma, apenas pequenas estrelas iluminam meu céu e a lua se escondeu na escuridão. É tempo de olhares simples para mim mesmo, olhares sinceros que nada vêem além de minha própria alma, porque onde não há luz, nada se vê. No mais profundo de mim as trevas não puderam penetrar, porque aí Deus habita em silêncio, aí a Luz eterna a tudo ilumina, e é essa luz que sigo em minhas noites sem luar que ilumine outros caminhos. Quero chegar aí, onde habita meu Senhor, porque em Seu divino silêncio nenhum ruído me poderá perturbar. Encontrando-o dentro de mim, no lugar onde nada mais pode chegar, como poderia eu perder-me Dele? Se O possuo nada mais me atrai na terra.(1) No Senhor encontro tudo quando minha alma necessita, e uma felicidade imensa que jamais seria capaz de desejar. Em Deus está o verdadeiro descanso, o verdadeiro repouso, que me é concedido mesmo em meio aos trabalhos, em meio aos sofrimentos, e que converterá meus pesares em causa de júbilo. Uma só coisa peço ao Senhor, e é só isto que eu desejo, provar de Sua eterna graça e ser por Ela de tal modo transformado, que nada reste em mim dos desejos inúteis que não alimentam em mim Seu divino Amor.

(1) Sl 72. 25

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A Escravidão da Verdade

A temática de hoje talvez assuste o leitor. O que devo dizer aqui hoje quer impor-me uma necessidade de omissão vestida de prudência, mas Deus me diz o exato contrário; um profeta nunca se arrisca, porque sabe quem é o Deus que o protege. Em outras palavras, a denúncia do erro, que faz parte da profecia, pode atrair ameaças, e mesmo a morte, mas não é arriscar a vida, porque o Deus que protege o profeta é vencedor contra a conseqüência mais grave da incompreensão dos ouvintes, e por isso o martírio é tão glorioso. Eis o que o Senhor me ordena: "Prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Clama em alta voz, sem constrangimento; faze soar a tua voz como a corneta. Denuncia a meu povo suas faltas, e à casa de Jacó seus pecados" (II Tm 4, 2; Is 58, 1).
O escravo é aquele que é submetido a uma regra rígida de comportamento, que lhe impõe explicitamente o que deve e o que não deve fazer, com punições à desobediência e nenhuma recompensa à obediência. Assim é a "liberdade" dos nossos dias. A sujeição à permissividade moral (imoral?) é como uma autonomia de consciência, enquanto seus adeptos se reduzem a relações mútuas superficiais, baseadas quase que exclusivamente, mas sempre essencialmente, em realidades que não caracterizam o "homem sábio", e assim as relações humanas são descaracterizadas e lhe são retiradas do fundamento características essencialmente humanas, que ultrapassam a superficialidade do prazer.
Observe os relacionamentos de hoje, quase sempre descompromissados, nascidos de uma experiência de puro prazer, sem levar em consideração, pelo menos inicialmente, o ser, mas apenas o que pode ser oferecido materialmente aos "interessados". Não quero aqui gerar discussões a respeito da dignidade das pessoas que vivem assim, mas meu objetivo aqui é anterior a isso. Hoje a maioria dos relacionamentos nascem no prazer, tomado isoladamente e como objetivo principal. Seria coerente fazer uma construção sobre um terreno temporariamente estável? Evidentemente não, como vimos em Santa Catarina, onde cerca de 60% das áreas atingidas pelos desastres recentes não são mais habitáveis. É certo que aquelas pessoas, se soubessem que tudo isso aconteceria, não teriam construído ali. Fundamentar relacionamentos sobre o prazer é a mesma coisa. Prazeres nem sempre podem ser satisfeitos, e essa possibilidade não é permanente. Relacionamentos são assim, e mesmo que se desenvolva um sentido de mútua doação e serviço, são árvores com raízes rasas. Um exemplo simples far-nos-á entender. "Raízes rasas representam melhor regiões com estação seca curta, e raízes profundas favorecem a modelagem de regiões com estação seca mais pronunciada."* A metáfora é simples. Prazeres "materiais" diminuem com o tempo até que cessem, e cessará também, naturalmente, tudo o que no prazer se fundamenta.
Quis intitular este texto de "Escravidão da Verdade" exatamente porque essa liberalidade é falsa e retira a dignidade do ser humano que vive assim; a verdade, porém, "aprisiona" homens e mulheres nos limites próprios da condição humana, sem excessos ou excessões. Não há prêmio para quem obedece às regras de ser gente, mas as punições são severas: as naturais conseqüências de uma luta contra a própria natureza, isto é, a auto destruição física e moral.

* Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Refinamento da Representação de Raízes no Modelo de Biosfera SiB2 em Área de Floresta na Amazônia