quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Sou eu

O trabalho penoso de me descobrir artista passou pelo reconhecimento de fragilidades cuja origem eu desconhecia, e por isso as rejeitava. Foi observando e ouvindo outros como eu que pude enxergar-me assim como sou, sem véus. Observei e ouvi esses que carregam o fardo da arte, sem, no entanto, reconhecer-me entre eles, e assim purifiquei o meu olhar e pude ver em mim os detalhes que antes desprezava, e que me tornavam o que realmente sou. Descobri em mim uma arte diferente, palavras que saem de mim sem que eu as retire, letras que encontro sem que eu as procure, elas, na verdade, me encontram, me encantam, e me fazem transformá-las na expressão de meu próprio ser. Descobri-me capaz de tocar realidades que antes me pareciam inatingíveis, distantes demais, e encontrei em mim uma liberdade da qual antes era apenas mais um admirador. Em saber-me artista encontrei a possibilidade que Deus me deu de manifestar sua beleza ao mundo através de minha própria vida, e aprendi que fazer arte é pôr uma realidade em molduras, delimitar em moldes definidos o que ela é, sem porém reter tudo, mas apenas parte de sua essência, a fim de que o que a arte mostra seja amado na beleza da representação. Descobri assim que evangelizar não era tão difícil como imaginava, bastava apenas ser eu, artista de Deus, e arte Dele também, e tornar-me, a partir do que Ele me deu, um pouco Dele aqui também.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Um Rei oculto

Entre os homens caminha um homem desconhecido de muitos, anônimo, desfigurado e transfigurado, invisível e oculto em imagens que não atraem nossos olhares. Os homens não querem vê-Lo porque roubam para si a glória que é Dele, e se envergonham de ver diante de si a verdadeira realeza que imaginam possuir. Os homens pensam ser ricos, quando na verdade sua pobreza é maior do que a daquele que nada possui. Aquele que vive abaixo de todos, vive acima de tudo, e os que pensam possuir tudo, perderão tudo, e no fim nada serão.
Entre os homens caminha um rei coroado de espinhos, glorificado com uma realeza de dores, exaltado numa cruz, seu trono. Enquanto os homens se gloriam de serem ricos, ele é glorificado na pobreza; no extremo do mundo se colocou, como o último dos homens e o primeiro deles também, o menor já nascido e o maior de todos, modelo perfeito que todos devem seguir.
Entre os homens caminha um Deus feito pobre, humilhado e glorificado aparecendo pequeno, glorioso e glorificado quando desprezado pelos homens, elevado sobre todos quando colocado abaixo de todos, um Deus feito pequeno para que Dele se aproximassem os menores que Ele, para que Ele, erguendo-se, os exaltasse em Sua glória. (1)

(1) cf. Santo Agostinho. Confissões VII, 18

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Cuidas de mim

Em minha alma Tua luz dissipou as trevas e me fez viver em trevas, sem poder olhar e ver-Te. Porém, estava seguro ali, onde me asseguravas que nenhum inimigo me tocaria, mas tive medo. Eu quis pedir ajuda e proteção aos que passavam por ali, mas não me deixaste abandonar Teus cuidados, e me permitiste guardar para mim aquele medo que me era tão caro e que não tinha coragem de abandonar. Amava-o mais que a Ti, que me amas com um amor maior que o meu amor.

Naquela quietude, Tua voz silenciosa me ensinava todas as coisas, mas meu coração distraído prendeu-se à inquietação daquele medo que queria arrancar-me de Teus braços, mas não permitiste que eu fosse levado para longe de Ti, e cuidaste de mim mesmo quando Te esqueci.

Sozinho, porém, não estava. Quiseste cuidar de mim com mãos humanas, e me ensinar com uma voz que me fosse familiar. Nesses olhos de carne com que me olhas, Tu me mostras minha vida e me fazes ver-me sem olhar para mim mesmo. Nesses ouvidos com que me ouves acolhes minha vida, minha verdade, me acolhes inteiro em Tua misericórdia, quando me abraças e dizes ao meu ouvido: "Senti saudades Tuas".

Assim me cativaste, me aprosionaste pelo desejo de ser novamente abraçado por Ti. Sentirei sempre saudades Tuas, enquanto não me concedes estar eternamente em Teus braços, sob Teus cuidados, Deus do meu amor.